Por outro lado, há na cultura da internet uma tendência crescente à indignação como fim em si mesmo. Nos últimos anos a contínua exibição de revolta, julgamento e punição pela internet tem sido elemento inescapável da vida contemporânea. Carregamos todos no bolso um circunspecto, hipercrítico, onipresente, incessante e imprevisível sistema judiciário. Você pega o celular e começa a sessão do tribunal; coloca no bolso e ele entra em recesso.

. . . Mesmo postagens que parecem superficialmente inócuas podem ter um aspecto de audiência pública e de inquérito legal. As populares “correntes” (uma versão recente, a “corrente de gratidão”, pede que você poste por cinco dias três coisas pelas quais se sente grato) são tipicamente kafkianas: debaixo do verniz de positividade tratam-se de punição pura e simples, acusações de ingratidão das quais se requer que você prove a sua inocência.
. . . Se o Facebook representa um mundo descortês e kafkiano de julgamento incessante, por que gastamos tanto tempo nesse mundo? Por que nos mostramos tão dispostos a assumir as identidades de criminosos e promotores públicos, juízes e advogados de defesa, prisioneiros e algozes? Kafka acreditava que todos ansiamos pela absolvição: queremos ser declarados inocentes dos crimes que vemos ao nosso redor. Porém a inocência é um status difícil de se obter. Na vida diária é com dificuldade que lutamos para fazer algo de realmente bom, às vezes até mesmo para determinar o que é melhor. Em O tribunal, Josef K. faz o que pode para defender-se diante dos juízes muito humanos que o estão julgando. Mas o verdadeiro poder, um homem diz a ele – o poder de absolver – “reside somente na suprema corte, que é totalmente inacessível para você, para mim e para todos os demais. Não sabemos como são as coisas lá em cima e na verdade não queremos saber”. Estamos confinados, para resumir, aos tribunais inferiores, onde não temos escolha além de alegar a nossa inocência e esperar pelo melhor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário