SANTOS E PECADORES
1 corintios 1:31
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Estudo para o Fevereiro e Março |
Em grande parte, depois de
conviver por décadas com gente santa, só fui conhecer Jesus pessoalmente
através dos pecadores.
Não fui encontrá-lo na igreja,
onde insistíamos que ele morava e onde falávamos metade do tempo sobre ele. Na igreja
encontrei meus amigos mais bem-intencionados, muito deles assustadoramente
queridos e carentes, mas oprimidos como eu debaixo de um sistema fundamentado
em medo e desejo. Por mais que eu simpatizasse com o calor da instituição e com
o mérito das boas intenções, nada eu testemunhava ou vivia da satisfação
inerente, a generosidade, a paixão e a terrível liberdade que os evangelhos
atribuíam ao Filho do Homem. Cantávamos, chorávamos e nos abraçávamos debaixo
do mesmo teto piedoso, mas ali não estava o espírito de Jesus.
Não encontrei-o nem me afastei
dele na Faculdade, onde meus mentores evangélicos tinham alertado que eu
encontraria amigos irresistivelmente devassos e correria o risco incessante de
ideias sediciosas, construídos os dois para abalar minhas convicções. As ideias
eram ralinhas e as companhias inofensivas, a grande maioria tão ou mais careta,
casta e ultraconservadora quanto eu. Havia algum coleguismo e bons parceiros de
truco, mas também não pouca competividade, intolerância e altivez (talvez tanto
quanto na igreja), e o espírito de Jesus não estava ali.
Mas Deus teve misericórdia de
mim, este santo, e permitiu que eu convivesse de perto com pecadores. Isso, em
inúmeros sentidos importantes da palavra, me salvou.
Como eu suspeitava, os pecadores
não se entregam como nós na igreja a pecados mesquinhos como a hipocrisia, a
mentira e o orgulho; abrem eles mão desses amadorismos e tratam da coisa em si,
da sem-vergonhice mais vital, sensorial e carnal – sexo, drogas e rock’n’roll.
Finalmente estava eu no mesmo
recinto que pecadores de verdade, gente indecorosa, sensual e auto-indulgente;
drogados, homossexuais, bêbados, libertinos, prostitutas, poetas; safados,
depravados, corruptos, lascivos. Habituei-me ao “perfume” da maconha, visitei
os mais variados mocós, vi carreiras de cocaína se armarem e desaparecerem;
sentei-me ouvindo Janis Joplin numa sala que eu visitava pela primeira vez,
olhando para um homem dormindo onde acabara de cair, enquanto um casal transava
e curtia drogas no quarto ao lado e outros faziam churrasco lá atrás.
É natural que fora uma cervejinha
ou outra me mantive sóbrio e casto durante todo esse período – não que,
naturalmente, fizesse diferença. Mantive-me um santo – um carola, amado
ternamente por eles apesar disso – entre pecadores. Eu me sabia mais ou menos
resistente às seduções da carne e talvez estivesse ainda sustentando a ilusão
de que poderia “fazer diferença” no meio daquela pobre gente. Talvez estivesse
procurando mais um motivo extravagante para me orgulhar, de ser capaz de manter
minha integridade à prova de balas mesmo convivendo com os mais baixos e
corrompidos. A esta altura, não sei dizer o que esperava.
Mas sei dizer o que não esperava:
não esperava encontrar entre os pecadores, e pela primeira vez na vida, a terna
experiência do espírito de Jesus.
Não em mim. Neles.

Paradoxalmente, este mundo
definido em termos positivos poucos cristãos chegam em qualquer medida a
experimentar. Escolhemos nos definir não por essas qualidades afirmativas –
aquilo que o Apóstolo chama de “fruto do Espírito” – mas pelo que é negativo e
paralisante e opressor contra os outros e nós mesmos: a culpa, a mesquinhez, a
repressão, a neurose, a negação, o niilismo. O mundo em que todos se aceitam e
se amam, embora faça parte da nossa pregação nominal, nos é aterrorizante por
natureza. Tudo na nossa postura batalha contra ele. A “gloriosa liberdade dos
filhos de Deus” não nos interessa. Alguém me dê depressa um líder carismático e
um rol muito claro de mandamentos – é só o que pedimos.
Entre os pecadores encontrei um
universo livre da superficialidade de igreja e da irrelevância burguesa da
faculdade. Aqui estava um mundo que escolhia se definir, na prática e não a
partir de qualquer discurso ou demagogia, pela aceitação e pelo amor. Aqui
estava gente que tinha tudo em comum, até mesmo – onde está, Mamom, a tua
vitória? – o dinheiro. Gente que ignorava rótulos de classe, sexo e conta
bancária para se tratar como gente no sentido mais fundamental da coisa. Gente
que se recusava a ser manipulada pelo desejo e pelo temor, e fazia isso
entregando-se a um e mandando às favas o outro.
A comunhão que experimentam,
descobri, não tem limites; sua generosidade, que não espera recompensa que não
o instante, não tem paralelo. Os pecadores abrem suas portas uns para os outros
a qualquer momento do dia ou da noite; repartem sua droga, seu dinheiro, sua
casa e seu pão sem qualquer trâmite ou transação, seja com um irmão importuno
ou com o desconhecido em que acabam de tropeçar. Emprestam, terrivelmente, sem
esperar receber de volta. Carregam quem precisam ser carregado, descolam um
trampo para quem precisa, tiram a camisa para quem vomitou na roupa, emprestam
a chave do carro para quem não tem onde fumar, providenciam o apartamento de
alguém na praia para o que foi expulso de casa, repartem sem chiar ou cobrem o
tanque de gasolina. Trabalham tanto para os outros quanto para si, acolhem com
graça incondicional; são compassivos até para com os que não os toleram,
longânimos com os que todos já decidiram ser melhor rejeitar. Convivem sem
traumas com a consciência, apavorante para nós, de que não são melhores do que
ninguém.
Entre os pecadores não transita
apenas a legitimidade de quem recusa-se a ter o que esconder: rola, senhoras e
senhores, um amor – e tão forte que lança fora todo o medo. São gente boa no
sentido afirmativo da coisa. Gente sensualista, mas raras vezes desonesta. Auto-indulgente,
mas sempre generosa. Pecadora, mas não proselitista. Matam-se, mas o que fazem
pelos outros é só resgatar. Morrem, mas abraçados.
Não é difícil entender porque
Jesus curtia tanto a companhia dos pecadores e não escondia seu orgulho em
associar-se a eles. A integridade existe e a verdadeira comunhão não é uma
impossibilidade: os pecadores legítimos não as desconhecem. Louvados sejam nas
alturas os grandes pecadores, porque uma porção fundamental de Jesus sobrevive
na Terra apenas através deles.