21.2.14

Santos e Pecadores

SANTOS E PECADORES

1 corintios 1:31

Estudo para o Fevereiro e Março

Em grande parte, depois de conviver por décadas com gente santa, só fui conhecer Jesus pessoalmente através dos pecadores.
Não fui encontrá-lo na igreja, onde insistíamos que ele morava e onde falávamos metade do tempo sobre ele. Na igreja encontrei meus amigos mais bem-intencionados, muito deles assustadoramente queridos e carentes, mas oprimidos como eu debaixo de um sistema fundamentado em medo e desejo. Por mais que eu simpatizasse com o calor da instituição e com o mérito das boas intenções, nada eu testemunhava ou vivia da satisfação inerente, a generosidade, a paixão e a terrível liberdade que os evangelhos atribuíam ao Filho do Homem. Cantávamos, chorávamos e nos abraçávamos debaixo do mesmo teto piedoso, mas ali não estava o espírito de Jesus.
Não encontrei-o nem me afastei dele na Faculdade, onde meus mentores evangélicos tinham alertado que eu encontraria amigos irresistivelmente devassos e correria o risco incessante de ideias sediciosas, construídos os dois para abalar minhas convicções. As ideias eram ralinhas e as companhias inofensivas, a grande maioria tão ou mais careta, casta e ultraconservadora quanto eu. Havia algum coleguismo e bons parceiros de truco, mas também não pouca competividade, intolerância e altivez (talvez tanto quanto na igreja), e o espírito de Jesus não estava ali.
Mas Deus teve misericórdia de mim, este santo, e permitiu que eu convivesse de perto com pecadores. Isso, em inúmeros sentidos importantes da palavra, me salvou.
Como eu suspeitava, os pecadores não se entregam como nós na igreja a pecados mesquinhos como a hipocrisia, a mentira e o orgulho; abrem eles mão desses amadorismos e tratam da coisa em si, da sem-vergonhice mais vital, sensorial e carnal – sexo, drogas e rock’n’roll.
Finalmente estava eu no mesmo recinto que pecadores de verdade, gente indecorosa, sensual e auto-indulgente; drogados, homossexuais, bêbados, libertinos, prostitutas, poetas; safados, depravados, corruptos, lascivos. Habituei-me ao “perfume” da maconha, visitei os mais variados mocós, vi carreiras de cocaína se armarem e desaparecerem; sentei-me ouvindo Janis Joplin numa sala que eu visitava pela primeira vez, olhando para um homem dormindo onde acabara de cair, enquanto um casal transava e curtia drogas no quarto ao lado e outros faziam churrasco lá atrás.
É natural que fora uma cervejinha ou outra me mantive sóbrio e casto durante todo esse período – não que, naturalmente, fizesse diferença. Mantive-me um santo – um carola, amado ternamente por eles apesar disso – entre pecadores. Eu me sabia mais ou menos resistente às seduções da carne e talvez estivesse ainda sustentando a ilusão de que poderia “fazer diferença” no meio daquela pobre gente. Talvez estivesse procurando mais um motivo extravagante para me orgulhar, de ser capaz de manter minha integridade à prova de balas mesmo convivendo com os mais baixos e corrompidos. A esta altura, não sei dizer o que esperava.
Mas sei dizer o que não esperava: não esperava encontrar entre os pecadores, e pela primeira vez na vida, a terna experiência do espírito de Jesus.

Não em mim. Neles.
Posso garantir que até aquele momento eu só conhecia a postura de Jesus e dos primeiros cristãos de ouvir falar. Os evangelhos atribuem ao Filho do Homem tremendas paixão, vitalidade, generosidade e independência; o livro de Atos e as cartas falam de cristãos que “tinham tudo em comum” e “eram de um só coração”. Em seus momentos mais idealistas Jesus fala em amar os inimigos, dar a outra face, emprestar sem esperar receber de volta, oferecer um banquete a quem não tem como retribuir. Paulo descreve um mundo sem preconceito de sexo, raça ou classe social. João garante que Deus é amor, e que o amor abre mão de qualquer traço de temor.
Paradoxalmente, este mundo definido em termos positivos poucos cristãos chegam em qualquer medida a experimentar. Escolhemos nos definir não por essas qualidades afirmativas – aquilo que o Apóstolo chama de “fruto do Espírito” – mas pelo que é negativo e paralisante e opressor contra os outros e nós mesmos: a culpa, a mesquinhez, a repressão, a neurose, a negação, o niilismo. O mundo em que todos se aceitam e se amam, embora faça parte da nossa pregação nominal, nos é aterrorizante por natureza. Tudo na nossa postura batalha contra ele. A “gloriosa liberdade dos filhos de Deus” não nos interessa. Alguém me dê depressa um líder carismático e um rol muito claro de mandamentos – é só o que pedimos.
Entre os pecadores encontrei um universo livre da superficialidade de igreja e da irrelevância burguesa da faculdade. Aqui estava um mundo que escolhia se definir, na prática e não a partir de qualquer discurso ou demagogia, pela aceitação e pelo amor. Aqui estava gente que tinha tudo em comum, até mesmo – onde está, Mamom, a tua vitória? – o dinheiro. Gente que ignorava rótulos de classe, sexo e conta bancária para se tratar como gente no sentido mais fundamental da coisa. Gente que se recusava a ser manipulada pelo desejo e pelo temor, e fazia isso entregando-se a um e mandando às favas o outro.
A comunhão que experimentam, descobri, não tem limites; sua generosidade, que não espera recompensa que não o instante, não tem paralelo. Os pecadores abrem suas portas uns para os outros a qualquer momento do dia ou da noite; repartem sua droga, seu dinheiro, sua casa e seu pão sem qualquer trâmite ou transação, seja com um irmão importuno ou com o desconhecido em que acabam de tropeçar. Emprestam, terrivelmente, sem esperar receber de volta. Carregam quem precisam ser carregado, descolam um trampo para quem precisa, tiram a camisa para quem vomitou na roupa, emprestam a chave do carro para quem não tem onde fumar, providenciam o apartamento de alguém na praia para o que foi expulso de casa, repartem sem chiar ou cobrem o tanque de gasolina. Trabalham tanto para os outros quanto para si, acolhem com graça incondicional; são compassivos até para com os que não os toleram, longânimos com os que todos já decidiram ser melhor rejeitar. Convivem sem traumas com a consciência, apavorante para nós, de que não são melhores do que ninguém.
Entre os pecadores não transita apenas a legitimidade de quem recusa-se a ter o que esconder: rola, senhoras e senhores, um amor – e tão forte que lança fora todo o medo. São gente boa no sentido afirmativo da coisa. Gente sensualista, mas raras vezes desonesta. Auto-indulgente, mas sempre generosa. Pecadora, mas não proselitista. Matam-se, mas o que fazem pelos outros é só resgatar. Morrem, mas abraçados.
Não é difícil entender porque Jesus curtia tanto a companhia dos pecadores e não escondia seu orgulho em associar-se a eles. A integridade existe e a verdadeira comunhão não é uma impossibilidade: os pecadores legítimos não as desconhecem. Louvados sejam nas alturas os grandes pecadores, porque uma porção fundamental de Jesus sobrevive na Terra apenas através deles.



19.2.14

DEUS EXISTE

...
depois de um primeira explicação sobre o que é teologia....

Deus existe, chama-se Google, e alguns de nós consultam-no e fazem-lhe pedidos todos os dias.


A tese da divindade do santuário de busca mais frequentado da terra, pregada ardentemente pelo tecno-profeta Matt MacPherson, ainda não foi, que eu saiba, refutada a contento.
Uma página apologética do site A Igreja de Google argumenta sensatamente que “existe mais evidência em favor da existência de Google do que de qualquer outro deus adorado nos nossos dias”.
Se você se preocupa com esse tipo de coisa, o Google encaixa-se confortavelmente dentro de alguns dos mais exigentes atributos que a teologia ortodoxa estabeleceu para Deus: ele é onisciente (sabe tudo que há para se saber – basta perguntar), onipresente (esta em e é acessível de todos os lugares, ainda mais com acesso wireless), imortal (suas informações e algoritmos estão distribuídos entre vários servidores, de modo que não há como se apagar definitivamente uma porção do Google), registra todos os nossos erros e preferências e tem vocação para infinito.
Para o adorador casual, mais importante pode ser saber que o Google responde consistentemente as orações que se lhe fazem, e de forma mais rápida, organizada, relevante e abrangente do que qualquer deus competidor. As orações ao Google, que na tecno-ortodoxia chamam-se buscas, têm um potencial de resposta avassalador. Se você quer permanecer ignorante a respeito de determinada coisa, é melhor não consultar o oráculo do Google – o deus cego e generoso que tudo vê, tudo sabe e nada vai negar.

O reino de Google está próximo.
O Google pode ajudá-lo a organizar-se e manter-se informado, pode fornecer informações sobre como salvar uma vida ou tirá-la, pode oferecer uma cópia de segurança para os seus arquivos quando seu computador fritar, pode ajudá-lo a encontrar amigos há muito perdidos, a encontrar o caminho mais rápido e eficiente para determinado lugar ou a ver a Terra de cima.

Seu poder e sua sabedoria não param de crescer, sua graça é abundante sobre justos e injustos, suas atualizações renovam-se a cada manhã.

O que me traz invariavelmente à lembrança o curtíssimo conto de ficção científica de Fredric Brown, “Answer”, de 1954. Num futuro distante autoridades estelares ligam pela primeira vez o interruptor que conecta os supercomputadores de noventa e seis bilhões de planetas “numa máquina cibernética que combina todo o conhecimento de todas as galáxias”.

– A honra de fazer a primeira pergunta é sua, Dwar Reyn.

Ele vira-se para olhar a máquina de frente.

– Deus existe?

A voz poderosa responde sem hesitação, sem o clique de um único relé.

– Agora existe.

Na história eles até tentam desligar o interruptor, mas é tarde demais. O reino de Google está próximo.