9.3.07

o fim de Deus



Numa dessas madrugadas insones, estava eu a zapear algo assístivel na tv, quando parei hipnotizado num programa de caráter aparentemente “religioso”, tanto quanto duvidosos.
Demorei a entender que não se tratava de um programa de humor, embora parecesse um primo pobre do saudoso TV Pirata, tamanho o circo de horrores que por ali desfilava. Um pastor com lábia de camelô e perfil de gângster falava pelos cotovelos, enquanto iam ao ar depoimentos gravados de vários afortunados com bênçãos desta tal igreja, cujo nome não foi mencionado enquanto eu estive diante da tela.
O Pastor anunciava entusiasmado o “Congresso Empresarial com 318 pastores”, a acontecer num “templo” no brás, em São Paulo, enquanto os abençoados se sucediam dizendo: “eu tenho dois carros, uma moto...”; “agora eu tenho uma locadora,um apartamento “ etc, etc, etc... O Pastor dividia sua empolgação com seus colegas, e chamava então o pastor Nilsom, o Pastor Natanael, o pastor Jadson, para darem seu “testemunho de fé”, enquanto glorificava as vitórias das suas ovelhas, três das quais estavam presentes para darem mais depoimentos, estes ao vivo.
Então veio à hora da oração, o pastor levantou um copo de água, gesto repetido pelos outros presentes, conclamando a ovelha telespectadora a fazer o mesmo: “ Senhor, oramos por este que está na lama, por aquele empresário quebrado, por quem perdeu tudo, por quem não vendeu nada... Senhor oramos por aquele que não teve nenhuma vitória neste ano( e não era de corintianos que o pastor falava)... Repreendendo este espírito de perda Senhor,...”, e por aí foi. Confesso que foi a oração mais surreal que já ouvi na minha vida, a verdadeira “oração do crioulo doido”.
Mais estava por vir. Lá pelas tantas o mesmo pastor receberia dona Maria, infeliz empresária falida cujo patrimônio de 100 reais conquistados em trinta anos de trabalho ela perdera em apenas dois meses (sem explicar como):
- Dona Maria qual foi seu maior fundo de poço?
“ – Meu maior fundo de poço foi...”, e então Dona Maria desandou a destrinchar sua vida bancaria e contábil, expondo sua “dor” sem maior aparente comoção.
Detalhe: não eram pessoas miseráveis narrando desgraças e infortúnios que estavam ali, mas gente com algumas posses e empresários de classe média que contavam seus reveses na ânsia de reverter o “espírito de perda”(?). Pensei no seu Valdir!!! E continuei assistindo a tudo, abismado, esperando a nobre hora que os “fiéis” rogariam a Deus algo além de dinheiro.
“Que igreja é essa”, eu me perguntava, cuja “única benção é ganhar dinheiro, meus deus?”...
Adiante, quando eu julgava já ter visto tudo , ouvi o pastor convidar o povo para a “unção do dos automóveis”, sim, isso mesmo, onde haveria um ritual onde eles, os 318 pastores (de onde saem tantos pastores dos bueiros?), ungiriam os automóveis, acreditem se puder. Um homem fala: “... minha esposa veio de carro, eu vim de moto para a unção...” Sim, motocicletas também poderiam ser ungidas, bem como chaves de apartamentos, chaves de estabelecimentos comerciais e o diabo a quatro(ops!). Eu, que há semanas atrás pensando em eventos como louvorzão, num convite da UBAM (União Brasileira de Musicoterapeutas) a escrever sobre o tema com um e cristão. Cheguei a dizer no artigo que Deus passaria distante de eventos assim onde apenas a euforia dominasse. E por falar em musicoterapia lembrei-me de um adolescente (eu) tentando descobrir o porquê de algumas histerias espirituais e catarses em momentos de culto, fui os cultos da Assembléia de Deus, passei pelo terreiro de Defono de Oggum, estudei os ritos de Rosa Cruz e Ocultismo sempre duvidando na mesma medida em desejava crer no sentido da ação demoníaca nas pessoas.
Deduzi por minha própria conta e risco nessa época que “Deus” é o espírito criador, o espírito de tudo, das coisas e das emoções, do visível e do que não se vê, “Deus” é o mistério, o sublime. Logo ser “espiritual” (palavra desautorizada pelo uso leviano, anos a fio), deveria ser buscar “o espírito”, a essência das coisas, Deus, enfim.
Fazer pois um trabalho, estando completamente inteiro naquilo, seria o bastante torná-lo num ato espiritual. Assim como agir com o coração pleno de bondade e coragem também. Simples assim. Ou nem tanto. Por isso, talvez haja tão pouco “Deus” no mundo de hoje, porque há pouca inteireza, quase nenhuma integridade. “para ser grande sê inteiro”, já vaticinara o bardo.
Pela grande angular deste Cristianismo, Deus (assim maiúsculo) é um ilusionista, um ser com poderes mágicos que fez ressuscitar e subir aos céus como Cristopher Reeve de capa vermelha e uniforme e colante azul. É, meus caros, aos dos olhos destes cristãos Deus sempre foi um Spielberg, George Lucas... E, como se não bastasse agora vêm esses pastores com ares de bastardos, com avidez de vendedores de rodoviária transformar Deus (assim maiúsculo!) em O. G. Madino, Lair Ribeiro, num mago vulgar de auto-ajuda... Não, Deus não merecia destino tão tacanho!

Um comentário:

  1. Anônimo18:40

    É meu caro amigo e grande baixista Marquinhos... eu costmo acompanhar nas madrugadas estes programas televisivos de cunho espírita-macumbeiro-apostólico-evangélico... só pra ver as novas tendências deste grande "show de horror". Temos que ficar atentos, pois assim como não existe "música composta por fulano de tal" e sim "música da novela das oito", não caiamos no "culto do canal xyz" ou ao estilo "missionário fulano de tal". Temos que estar atentos à estas interferências de frequência variada, modulada e de longo alcance...

    Abraços!
    Fernando (de Quitaúna)

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